terça-feira, março 25, 2008

Nichts als Gespenster - Judith Hermann

Faz já algum tempo que terminei o segundo livro da Judith Hermann, Nichts als Gespenster (Nada além de fantasmas), ainda não vi o filme, mas acho difícil filmar algo com os contos que não se limite a pequenos quadros nos quais os personagens passam a maior parte do tempo calados enquanto fumam cigarros e bebem café (como no livro anterior, não há um conto no qual os personagens não fumem pelo menos um cigarro ou bebam uma xícara de café ou chá).
Um triângulo amoroso na Alemanha, um casal na Islândia, uma filha com os pais em Veneza, um casal de amigos na República Tcheca, namorados em um bar no deserto texano, conhecidos comemorando o Natal em Praga e um casal de amigos músicos que vai até a Noruega para apresentar-se em um festival que é cancelado. Judith Hermann certamente é cosmopolita, conhece vários pontos do globo! Os personagens estão todos na casa dos trinta, têm empregos alternativos/criativos e tempo e família não fazem parte de suas preocupações cotidianas, pois eles viajam e decidem ficar ou não conforme lhes dê na telha. Eles também nunca estão seguros sobre o que sentem, os relacionamentos são ambíguos, inconclusos. O que é engraçado é perceber que apesar dos personagens estarem sempre em movimento, pelo menos em países diversos, eles passam a maior de suas estadas dentro de quartos ou apartamentos e nunca estão à vontade nos novos ambientes. Se a idéia do cosmopolita é a daquela pessoa que sente-se bem em qualquer lugar que esteja, os personagens da autora são a sua versão contrária.
Eu fiquei me perguntando se minha geração (a trintona) é assim: autocentrada, apática, indecisa, ambígua, e fiquei triste ao constatar que talvez EU seja assim, (segundo O., uma enxada nas mãos e alguns filhos pendurados na saia acabam com esse tipo de frescura), mas psicologia barata à parte, até cheguei a gostar de uma ou duas histórias, mas não é meu tipo de leitura. Nunca gostei de espelhos...

quinta-feira, março 13, 2008

Travels with a donkey - Robert Louis Stevenson

No livro sobre a França que li no ano passdo, este livro de R. L. Stevenson era mencionado e como ele estava na estante e já tinha pensado em lê-lo, resolvi colocar o pensamento em prática.
Nele, Stevenson narra sua viagem de doze dias pela região montanhosa de Cévennes no sul da França. O burrinho do título é uma fêmea que o escritor adquire no começo da viagem e que ele vende ao seu final. Modestine (esse é seu nome) carrega os pertences e a comida do autor que não monta sobre ela, mas caminha ao seu lado e lhe dá vergastadas quando ela não trota com muita boa vontade. (Os defensores dos animais provavelmente iriam reprová-lo, mas teriam que entender que é difícil ser paciente quando é preciso chegar em um vilarejo antes de escurecer para evitar dissabores maiores e se levarem em consideração que uma pessoa andando sozinha é mais rápida do que outra caminhando com um burro.)
Stevenson escreve sobre suas dificuldades de viagem como as condições precárias dos albergues e a má vontade das pessoas para quem pede informações. Em um povoado, as crianças mostram-lhe a língua e ninguém lhe abre a porta a noite, mas é compreensível, na época em que ele viaja, no final do século XIX, a região de Cévennes era bem isolada e a vida era outra: sem eletricidade, meios de comunicação rápidos e com muitas superstições.
As pessoas achavam seu projeto ousado e curioso, mas creio que hoje em dia seria fácil fazer o trajeto de bicicleta.
Como sempre ocorre quando leio relatos de viagens feitas em um ritmo menos frenético do que nos tempos atuais, fiquei nostálgica. Gostaria de sentir o gostinho de viajar no ritmo dos cavalos, (burros) e navios! Vocês não?

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Achei curiosa a descrição que Stevenson faz de como era preparada uma bebida feita com uvas chamada “a parisiense” que ele bebe em um jantar com uma família em St. Jean de Calberte no final de sua viagem. As videiras locais sofriam com a Phylloxera e ao invés de vinho, eles oferecem esse suco de uvas meio fermentado:

“A phylloxera estava na vizinhança e ao invés de vinho, bebemos um sumo mais econômico de uvas no jantar, A Parisiense, como eles o chamam. Ele é feito colocando-se a fruta inteira na barrica com água. Os bagos fermentam um a um e estouram. O que é bebido durante o dia é colocado na água durante a noite. Então, sempre com um outro balde do poço e outros bagos explodindo e fornecendo seu vigor, uma barrica de “Parisiense” pode durar até a primavera para uma família. A bebida é, como o leitor pode antecipar, bem fraca, mas muito agradável para o paladar.”


domingo, março 09, 2008

Kafka e a Boneca Viajante


Ah, sim! Ia começar dizendo que não me lembrava de onde foi o pontapé inicial de toda essa história, mas acabo de me lembrar!

Por capricho do destino, conheci uma das donas de uma simpática livraria no Paraíso chamada "Rato de Livraria". Assino sua newsletter e, sim, foi em uma delas que tomei conhecimento de um pequenino livro chamado "Kafka e a Boneca Viajante".

Bom, como você bem pode estar imaginando, só o título já me causou uma certa agitação: Kafka? Aquele escrito seriíssimo e... uma boneca viajante?!?!?!??! COMO ASSIM??? Bom, fui correndo os olhos pela sinopse e descobri que se tratava de uma história pouco conhecida à respeito do famoso autor: quase no final da vida, precisamente um ano antes de morrer (ele morreu jovem, aos 41 anos, de tuberculose - isso eu também descobri no livro), ao fazer um passeio por uma praça, encontrou uma desconsolada menininha que chorava copiosamente por ter perdido sua boneca.

Por algum motivo obscuro, Kafka se aproximou da menina e, para consolá-la, inventou uma história de que a sua boneca não tinha se perdido e sim "tinha ido viajar" e ele, o "senhor carteiro de bonecas" tinha recebido uma carta da própria endereçada à menina e a traria no dia seguinte para que ela pudesse saber o que se passara. O que é uma mente imaginativa, não é mesmo, minha gente?

Pois por três luminosas semanas, Kafka escreveu cartas para consolar sua pequena nova amiga. Tais fatos foram contados por Dora Dymant, sua mulher na época. Além disso, durante muito tempo, Klaus Wagenbach, um estudioso do escritor, procurou infatigavelmente por pistas e pelo paradeiro da menina e das cartas. Em vão, infelizmente.

Mas as notícias correm, o mundo dá voltas e encontra pessoas que sonham. Então, um belo dia, um distinto escritor denominado Jordi Sierra i Fabra - entusiasmado com uma reportagem saída no jornal El País denominado La muñeca viajera da autoria de César Aira - lançou mãos a obra e escreveu esse livrinho "de ficção" sobre essa insólita passagem da vida de Franz Kafka.

Talvez a gente tenha crescido e, depois de tantas desilusões, não se lembre mais de como era ser criança. Talvez nossa incrédula cabeça de adulto possa regatear e queira achar, com sua lógica e anos de treinamento para sermos pessoas que agem desse ou daquele jeito, que "ah, é só um objeto inanimado e não tem grande importância pois daqui a pouco ela se esquece." E, por essa razão, talvez não sejamos capazes de reencontrar a criança que fomos e nos lembrar de que as crianças, nesses momentos, sofrem uma tristeza verdadeira, sem máscaras e sua dor não pode ser diminuída e é legítima. Gosto de pensar que, talvez, Franz Kafka tenha comungado da tristeza infinita da menina naquele momento...

Se os fatos ocorreram mesmo assim, se Kafka realmente tinha apenas aqueles bons sentimentos que Jordi apresenta no livro, se o final da história foi como ele conta... bom, acho pouco provável. Também achei a linguagem que ele usa para as cartas complexa demais para ser compreendida por uma menininha. De todo modo, a narrativa é envolvente e, embora eu desejasse dormir pois já era bem tarde, não consegui até chegar ao epílogo =). De modo que, sim, é um livro que vale a pena ser lido! Além de ser uma ótima inspiração e fonte de pesquisa para os projetos do mundomiki!

SERVIÇO
título Kafka e a boneca viajante
autor Jordi Sierra i Fabra com ilustrações de Pep Montserrat
editora Martins Editora Livraria Ltda.
páginas 127 páginas
título original Kafka e la muñeca viajera
tradução de Rubia Prates Goldoni
preço médio R$ 25,00

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Este post tem a intenção de disseminar o trabalho de Jordi Sierra i Fabra, Pep Montserrat assim como da Martins Editora Livraria. Todos os direitos são reservados aos seus respectivos proprietários.

sexta-feira, março 07, 2008

Ferdydurke - Witold Grombowicz

Um (bom) livro sempre nos leva a outros livros. Isso é um fato. Após ler o que o Milan Kundera escreveu sobre literatura, fui ler a Ana Karenina de Tolstoy e, agora, Ferdydurke, de Witold Gombrowicz, até então, um ilustre desconhecido para mim. Grombrowicz nasceu na Polônia em 1904, estudou direito e depois de se formar começou a escrever. Pouco antes da segunda guerra, ele foi convidado a participar de uma viagem transatlântica até a América do sul e quando chegou na Argentina, a Polônia havia sido invadida pelos nazistas e depois pelos soviéticos, esses acontecimentos fizeram com que ele permanecesse em Buenos Aires, onde viveu em grande penúria por duas décadas antes de retornar para a Europa. Ferdydurke é sua obra mais famosa e gira mais em torno de um tema do que propriamente conta uma história. O livro fala sobre um autor de trinta anos que passa a ser tratado como um garoto de dezessete anos, ele é visto como alguém que não pode ser levado a sério e submetido à tirania das instituições sociais: escola, professores, colegas, parentes.
As pessoas com as quais o rapaz cruza são representantes de valores que ele ridiculariza (comunismo, aristocracia, burguesia, etc). Gombrowicz escreve com absoluta liberdade e ironia. Gosto muito dos trechos reflexivos do protagonista, como este, logo no começo do livro:

“Eu tinha acabado de cruzar o inevitável Rubicão dos trinta há pouco tempo, eu tinha ultrapassado aquele marco e, de acordo com minha certidão de nascimento e por onde quer que examinasse, eu era um ser humano maduro. E, no entanto, não o era – o que eu era? Um jogador de bridge de trinta anos? Alguém que por acaso estava trabalhando, ocupando-se com as trivialidades da vida, cumprindo prazos? Qual era meu status? Freqüentava bares e cafés onde trocava algumas palavras, ocasionalmente até idéias, com as pessoas com as quais cruzava, mas meu status não era nada claro e eu mesmo não sabia se era um homem maduro ou um jovem imaturo. Naquele momento decisivo da minha vida, eu não era nem um nem outro – Eu não era nada – e meus contemporâneos, já casados e firmados, senão sobre suas opiniões sobre a vida, ao menos em várias agências governamentais, tratavam-me com uma desconfiança compreensível. Minhas tias, aqueles inúmeros um-quarto-de-mãe, apregoavam, remendavam, embora me amassem muito, e insistiam para que eu me estabelecesse e me tornasse alguém, um advogado, um servidor público – elas pareciam muito aborrecidas com minha indecisão e, sem saber o que fazer comigo, elas não sabiam como falar comigo, então, apenas tagarelavam:
‘Joey’, diziam entre uma tagarelice e outra, ‘é tempo, meu querido. O que as pessoas irão dizer? Se você não quer ser um doutor, ao menos seja um mulherengo, ou alguém que gosta de cavalos, seja algo... seja algo definido...’”

(Vocês também não tiveram/têm “tias” assim? Eu tenho várias, mas elas estão na minha consciência e não consigo me livrar delas!)

sábado, março 01, 2008

Botchan - Natsume Soseki

Natsume Soseki é um autor japonês de que gosto bastante. Fazia algum tempo que não o lia. Estou retornando a alguns velhos conhecidos, como Kawabata e Saramago e tem sido prazeroso.
Botchan é um dos primeiros livros de Soseki e conta a história bem humorada de um rapaz que se forma em física em uma faculdade de Tóquio e é contratado para dar aulas em uma província bem distante, no sul do arquipélago. Ele tem um temperamento forte e impulsivo que lhe rende muitas reprimendas na infância e que, adulto, torna-se o estopim de conflitos com os outros professores. O rapaz é do gênero “grosseirão com bom coração” e passa por várias vexações por causa de sua falta de tato, mas ele não parece se incomodar com as convenções sociais e fica sempre chocado com a insinceridade, a mentira e a afetação de seus colegas e das pessoas que encontra no vilarejo.
"Botchan" é uma palavra japonesa difícil de traduzir, é uma forma de chamar os garotos quando eles são pequenos que é, ao mesmo tempo, carinhosa e revela uma posição subordinada da pessoa que a usa, como Kiyo, a empregada da família do personagem em questão. Seria parecido com a forma como os escravos chamavam os filhos de seus senhores: “sinhozinho” (lembrem-se de que se trata de uma aproximação forçada, não exata!).
O livro é bastante popular no Japão e deve ser muito mais interessante e divertido em japonês, o tradutor mesmo escreve que é difícil encontrar equivalentes em inglês para todos os trocadilhos dos diálogos.
No trecho abaixo, o rapaz vai pescar com dois outros professores para os quais ele deu os nada lisonjeiros apelidos de “Camisa Vermelha” e “Palhaço”:

“O barqueiro remava em direção ao mar com batidas lentas e calmas, mas quando olhei para trás, descobri que já estávamos tão longe que a praia parecia bem pequena na distância. O pagode do templo Kohakuji afunilava-se como uma agulha acima das árvores e, do outro lado, a ilha de Aojima flutuava sobre a água. Ninguém vivia naquela ilha, olhando de mais perto, eu descobri a razão. Ela era apenas um aglomerado de rochas e pinheiros. Camisa Vermelha observou como a paisagem era delicada e Yoshikawa, o Palhaço, concordou. Eu não sabia se ela era delicada ou não, mas certamente dava uma sensação agradável olhar para ela. Era bom estar ali naquela vasta expansão de água, sentindo a brisa do mar. Eu estava morrendo de fome.
'Olhe para aquele pinheiro', Camisa Vermelha disse para Yoshikawa. 'O tronco é perfeitamente reto e a copa se espalha como um guarda-chuva. Ela deveria ter sido pintada por Turner'.
O Palhaço respondeu que ela 'tinha saído de um Turner', e que a curva era perfeita. Eu não tinha qualquer idéia do que 'Turner' significava, mas achando que poderia viver muito bem sem aquele conhecimento, fiquei quieto.
O barco deu uma volta do lado direito da ilha. Não havia ondas. Era tão calmo, de fato, que era difícil dizer que você estava no mar. Eu estava tendo bons momentos, graças ao Camisa Vermelha. Se fosse possível, eu gostaria de desembarcar na ilha e ver como ela era, apontando para uma rocha, perguntei ao barqueiro se o barco não poderia ancorar ali. Camisa Vermelha disse que aquilo poderia ser feito, mas que a pescaria não seria muito boa tão próximo da ilha. Então Yoshikawa se dirigiu a Camisa Vermelha e veio com a desnecessária sugestão de chamar o lugar de Ilha de Turner. Camisa Vermelha achou a idéia boa e disse que era como iríamos chamá-la a partir daquele momento. Esperei não ter sido incluído naquele 'nós'. Ilha de Aojima estava perfeito para mim.
'Imagine a Madonna de Rafael em pé sobre aquela rocha', disse Yoshikawa. 'Daria uma pintura maravilhosa. Você não concorda?'
'Não vamos falar sobre Madonnas', respondeu Camisa Vermelha, e deu uma risadinha desconcertantemente efeminada. Yoshikawa, lançando um olhar em minha direção, disse que estava tudo bem, pois ninguém estava ouvindo. E voltou-se para o outro lado de propósito com um sorrisinho afetado. Aquilo fez com que me sentisse desconfortável. Madonna ou beladona, dava tudo na mesma para mim. Ele poderia colocar o que quisesse sobre as rochas. Mas dizer coisas que outras pessoas não entendiam e, além disso, não se importar que elas ouvissem porque elas não as compreendiam, era grosseiro. Apesar de seu comportamento, Yoshikawa ainda tinha coragem de dizer que era de Tóquio. Madonna provavelmente era o apelido da geisha preferida de Camisa Vermelha. Bem, se ele queria colocar uma geisha debaixo de um pinheiro em uma ilha desabitada, ele que o fizesse. E o Palhaço poderia pintá-la a óleo e mostrar o quadro em uma exposição.”