quinta-feira, janeiro 31, 2008

Ni d'Éve ni d'Adam - Amélie Nothomb

Amélie Nothomb (a garota da capa acima) é uma escritora belga que nasceu no Japão, onde viveu até os cinco anos. Ela morou em vários outros países devido ao trabalho de seu pai, um diplomata da Bélgica. Pelo o que li, ela é uma escritora bastante prolífica, um livro publicado por ano para cada dois deixados na gaveta. Descobri seu trabalho assistindo a um filme (isso está ficando comum...), Stupeur e Tremblements (Estupor e Tremores), baseado em seu romance autobiográfico com o mesmo nome de 2001. Aos vinte e um anos, ela retorna ao Japão para fazer um curso de japonês comercial em Tóquio e, no ano seguinte, ela é contratada para trabalhar em uma grande empresa japonesa. Nesse livro, ela narra sua vida corporativa japonesa e as desventuras que precisa enfrentar ao cair em desgraça junto da mulher a quem está subordinada. Ela é submetida a humilhações constantes, é proibida de falar japonês, apesar de conhecer a língua, e termina limpando banheiros. Ao final de um ano terrível, ela pede demissão e volta para a Bélgica. Esta é a história do filme que, apesar de não ser classificado como uma comédia, tem momentos bem divertidos.
Ni d’Éve, ni d’Adam (
Nem de Eva, nem de Adão) é o primeiro livro dela que leio, ele saiu no ano passado e me interessou devido ao tema, ela retoma suas experiências no Japão por um outro ângulo e escreve que “se Estupor e Tremores dá a impressão de que, no Japão, na idade adulta, ela foi a mais desastrada das empregadas, Nem de Eva, nem de Adão revelará que, na mesma época e no mesmo lugar, ela também foi a noiva de um habitante de Tóquio muito singular”. E é verdade, ela conta seu relacionamento com Rinri, que ela conhece em seu primeiro ano no Japão, um rapaz para quem ela dá aulas de francês e com o qual termina se envolvendo.

O livro é muito bom, de leitura rápida e agradável. Amélie escreve com agilidade e tem um humor todo seu.
Traduzi o começo do primeiro capítulo, o primeiro encontro de Rinri e Amélie, ele é divertido:

“O meio mais eficaz para aprender japonês me pareceu ser ensinar francês. No supermercado, deixei um pequeno anúncio: ‘Aulas particulares de francês, preço atraente.’
O telefone tocou na mesma noite. O encontro foi marcado para o dia seguinte em um café de Omotesando. Não entendi seu nome, ele também não entendeu o meu. Ao desligar, dei-me conta de que não sabia como reconhecê-lo, ele também não. E como não tive a presença de espírito de pedir seu número, aquilo não se arranjaria . ‘Talvez ele me ligue outra vez por esse motivo’, pensei.
Ele não ligou. A voz me pareceu jovem. Aquilo não me ajudaria muito. A juventude não estava em falta em Tóquio em 1989. Muito menos naquele café de Omotesando, em 26 de janeiro, por volta das quinze horas.
Eu não era a única estrangeira, longe disso. Entretanto, ele marchou diretamente na minha direção sem hesitar.
- Você é a professora de francês?
- Como você sabia?
Ele levantou os ombros. Muito rígido, ele se sentou e se calou. Compreendi que eu era a professora e que cabia a mim ocupar-me dele. Fiz perguntas e soube que ele tinha vinte anos, que se chamava Rinri e que estudava francês na universidade. Ele soube que eu tinha vinte e um anos, que me chamava Amélie e que estudava japonês. Ele não entendeu minha nacionalidade. Eu já estava acostumada com aquilo.
- A partir de agora, não temos mais o direito de falar em inglês, disse.
Conversava em francês para conhecer seu nível: ele se revelou consternador. O mais grave era a sua pronúncia, se eu não soubesse que Rinri falava comigo em francês, teria acreditado que se tratava de um iniciante muito ruim de chinês. Seu vocabulário escasseava, sua sintaxe reproduzia mal aquela do inglês que, no entanto, parecia ser a sua absurda referência. Ora, ele estava no terceiro ano de estudos de francês na universidade! Tive a confirmação da derrota absoluta do ensino de línguas no Japão. Em tal grau, aquilo não podia ser chamado de insularidade.
O jovem deve ter se dado conta da situação, pois ele não demorou a se desculpar, depois se calou. Eu não consegui aceitar aquela derrota e tentava fazer com que ele voltasse a falar. Em vão. Ele mantinha a boca fechada como se quisesse esconder dentes estragados. Estávamos em um impasse.
Comecei a falar em japonês. Eu não praticava desde os cinco anos de idade e os seis dias que tinha passado no país do sol nascente, depois de dezesseis anos de ausência, não tinham sido suficientes, longe disso, para reativar minhas lembranças infantis daquela língua. Eu produzi um galimatias pueril sem pé nem cabeça. Falava sobre agentes de polícia, cães e cerejeiras em flor.
O garoto me escutou com assombro e terminou por cair na gargalhada. Ele me perguntou se tinha sido uma criança de cinco anos que me havia ensinado japonês.
- Sim, respondi. A criança, sou eu.
E contei-lhe meu trajeto. Eu o narrei lentamente em francês, graças a uma emoção particular, senti que ele me compreendia.
Eu o tinha descomplexado.
Em um francês pior do que horrível, ele me disse que conhecia a região em que eu tinha nascido e onde havia passado meus cinco primeiro anos: Kansai.
Ele era de Tóquio, onde seu pai dirigia uma grande escola de joalheria. Ele se calou, esgotado, e bebeu seu café de um só gole.”


sábado, janeiro 26, 2008

Chroniques d'Asakusa - Yasunari Kawabata

Eu não visitei Asakusa (um distrito de Tóquio) e sempre lamentei esse fato. Tive apenas um dia para passear na cidade e decidi gastá-lo indo até outro bairro famoso no universo literário japonês, Ueno. Fui até lá na parte da tarde, queria conhecer o zoológico mais antigo do Japão e ver o panda que é uma de suas grandes atrações, mas o zoo estava fechado. Ele fica no meio de um parque e, ao seu redor, há vários museus, inclusive o Museu Nacional de Tóquio, não perdi tempo, passei a tarde vendo os quadros de uma exposição de pintores flamengos em um pequeno museu na frente da estação e depois atravessei a rua e fui ver os artefatos egipícios que estavam em exposição no Museu Nacional naquela época. Andei, andei, peguei o trem e voltei para o hotel e, no dia seguinte, dirigi-me novamente para Ueno de manhã cedo. Estava decidida a ver o panda. E vi. E era algo melancólico vê-lo através do vidro espesso comendo bambu sentado sobre o chão revestido de piso cerâmico.
Dei uma volta pelo zoo, tomei uma fanta verde fluorescente de sabor melão (de que não gostei), saí do zoológico, desci uma rua ao lado da estação e encontrei um sebo onde comprei um livro de gravuras em francês para presentear O. e um livro com fotos do acervo do Museu Nacional, voltei para o hotel e dei adeus a Tóquio.
Lamento não ter ido até Asakusa, ao menos para ver a grande lanterna do Kaminarimon. Depois de ler o livro de Kawabata, lamentei ainda mais não ter ido lá conferir como é o bairro nos dias de hoje. No período retratado por ele, os anos trinta, Asakusa é o bairro das prostitutas, dos vagabundos, malandros e mendigos. Era o inferninho de Tóquio, um lugar a ser evitado pelas pessoas de boa reputação, hoje as coisas mudaram muito e Asakusa tornou-se uma das atrações turísticas mais tradicionais da cidade.
Este livro de Kawabata não é um romance, mas uma coleção de notas e quadros que caracterizam Asakusa no período. Não é um de meus preferidos (que são O país das Neves e O som da montanha), mas vale por nos fazer saborear um pouco da história do Japão, e há algumas imagens bonitas, como só Kawabata sabe escrever:

"Uma luz rosa refletia-se sobre o asfalto que brilhava como uma chapa de chumbo. Pontos vermelhos dispersos aqui e ali flutuavam ao acaso sobre a cidade. Ouvia-se o eco do bonde. Eram cinco horas da manhã. À luz irisada do sol, a urina da véspera desenhava longas faixas paralelas no asfalto. "

(Eu sei, urina na rua não é algo poético, mas tiro o meu chapéu para quem consegue usar essa imagem como o Kawabata.)

quarta-feira, janeiro 23, 2008

As mil e uma noites


Mil e uma noites passaram sem que notasse a chegada da alvorada.
Mil e uma vezes fui entretida pela bela vestida com véus e seda.
Sua voz conduziu-me às tribos dos desertos e tive a honra
de entrar nos palácios de sultões e emires.
Provei pratos exóticos, beijei virgens,
adormeci ao som dos alaúdes
nas tardes perfumadas de almíscar.
Fui conquistada pelo encanto do oriente,
conheci uma Bagdá onde não explodem bombas
e o povo celebra e goza a vida.

* As mil e uma noites em sua versão integral não é exatamente um livro de contos de fadas, está bem mais próximo do Satyricon do que dos contos da Carochinha.
(*E mil e uma noites não significam mil e uma histórias, várias delas são longas e estendem-se por várias noites).


sábado, janeiro 19, 2008

Josep M. Castellet

Em um período em que vivemos uma carência de mestres, pessoas que ouvimos com admiração, é sempre revigorante ler uma entrevista tão lúcida como esta publicada no La Vanguardia (em espanhol). Eu não conhecia Josep M. Castellet, um crítico literário espanhol, mas o que ele diz faz muito sentido. Obrigada, pela indicação, Manuel!

The woman in the dunes - Kobo Abe

Ando lendo com a voracidade da época do colégio, fazia algum tempo que isso não acontecia. Enquanto pesquisava para meu mestrado e doutorado, não tinha tempo para ler as coisas de que gostava, praticamente não lia muita literatura, mas livros longuíssimos sobre um ou outro aspecto do século XVIII e alguns tratados de pensadores obscuros (em vários sentidos), às vezes era tão chato que sentia vontade de fechar os olhos e de não dirigi-los para nada impresso sobre uma folha de papel pelo resto da minha vida. Uma época de que não sinto saudades.
Este foi o primeiro livro do Kobo Abe que li, o livro sempre esteve na estante, mas fui lê-lo depois de assistir a um filme baseado na obra, ele foi filmado em 64 e ganhou um prêmio do júri no festival de Cannes (o ator principal é o mesmo de Hiroshima mon amour, outro grande filme). A versão filmada é muito boa e bastante fiel ao livro que conta a história de um professor e entomologista amador, Junpei Niki, que viaja até uma praia cheia de dunas para coletar insetos. Ele perde o último ônibus e os habitantes do vilarejo local oferecem-lhe alojamento na casa de uma mulher que mora sozinha, a casa praticamente fica em um buraco circundado pela areia e é preciso descer por meio de uma escada de cordas. Muitas casas estão na mesma situação e para evitar que elas sejam engolidas pelas dunas, seus habitantes devem trabalhar todas as noites recolhendo areia com pás. Contra a sua vontade, Junpei vê-se preso dentro do buraco e deve trabalhar para receber água, ou seja, para manter-se vivo. Seu relacionamento com a mulher, nunca nomeada, que o trata muito bem, mas que ele considera muito simples e condicionada a aceitar aquele tipo de existência, desenvolve-se de forma imprevista.
A areia serve de ensejo para várias reflexões sobre a vida e a existência humana.

"Eles mencionaram uma família de classe média agrícola que havia acrescentado terras à sua propriedade, comprado máquinas e estavam indo muito bem quando o filho mais velho de repente abandonou o lar. Ele era um jovem quieto, trabalhador e seus pais ficaram totalmente surpresos. Eles não sabiam o motivo. Nos vilarejos do campo você tem obrigações sociais e reputação a zelar, portanto, realmente deveria haver uma razão para o herdeiro da família abandonar o lar...
- Sim, certamente. Uma obrigação é uma obrigação.
- Parece que um dos pais se deu ao trabalho de encontrar o jovem e ouvir sua história. Ele não estava vivendo com uma mulher e não parecia coagido por débitos ou prazeres, não havia nenhum motivo concreto. Então qual era a razão? E o que o jovem disse não fazia qualquer sentido. Ele parecia incapaz de explicar seu ato muito bem para si mesmo, dizia apenas que ele não podia mais suportar aquilo.
- Realmente há gente estúpida no mundo, não é verdade?
- Mas quando você reflete sobre isso, você entende seus sentimentos. Quando os agricultores aumentam sua área de cultivo, eles têm muito mais trabalho a fazer. No final, não há fim para as suas atividades e eles acabam com muito mais coisas para fazer. Entretanto, o agricultor ao menos tem um retorno em batatas e arroz. Comparado com o trabalho de um agricultor, remover areia é como tentar empilhar pedras no Rio do Hades, onde os demônios carregam-nas tão rápido quanto você as joga lá dentro.
- Bem, o que acontece com o Rio do Hades no final?
- Nada. É uma punição infernal precisamente porque nada acontece.
- E o que acontece com o filho no final?
- Ele tinha planejado tudo e provalmente até mesmo arranjado um emprego antes de agir.
- E o que ele fez?
- Ele foi lá e começou a trabalhar.
- E depois?
- Depois disso, ele provavelmente recebia seu dinheiro no dia de pagamento e aos domingos eu acredito que ele vestia uma camisa limpa e ia ao cinema."


quinta-feira, janeiro 17, 2008

2 x Coetzee

Os dois últimos livros do Coetzee que li foram Foe, um tipo de releitura da história do Robinson Crusoé narrada do ponto de vista de uma mulher que acaba naufragando na ilha na qual ele vive e posteriormente conta suas aventuras para Daniel Dafoe, o verdadeiro autor do romance. Personagens reais e imaginários misturam-se, realidade e ficção também.


O segundo livro foi In the heart of the country, também um romance narrado do ponto de vista feminino. Quase um diário das lucubrações, delíros e paixões da protagonista que vive em uma propriedade no meio do nada no interior da África do Sul junto com seu pai viúvo e alguns empregados negros. O relacionamento com seu pai é tenso, ele não demonstra qualquer afeto por ela e isso a mortifica, sua reação quando ele toma a mulher de um de seus empregados como amante é agressiva. Uma história dura sobre a vida de uma mulher solitária e também sobre o relacionamento entre negros e brancos em um país dividido.


sexta-feira, janeiro 11, 2008

Sommerhaus, später - Judith Hermann

Descobri a escritora alemã Judith Hermann quando estava assistindo a um programa na Deutsche Welle (o canal alemão) e mencionaram um filme que estreou no final do ano passado baseado no seu último livro, Nichts als Gespenster (Nada além de fantasmas seria uma boa tradução), que trata de várias histórias sobre pessoas na faixa dos trintas anos meio perdidas no mundo e que vêem a vida passar por elas. Pensei, "mas é meio como me sinto...", e fui ver o que ela tinha escrito. Descobri que ela publicou apenas dois livros de contos, o último, no qual o filme foi baseado é de 2003, e o primeiro, que a transformou em uma das novas promessas da literatura alemã, Sommerhaus, später , algo como Casa de veraneio, mais tarde, é de 1998. Namorei os livros durante um bom tempo na Amazon alemã, li os comentários dos leitores e finalmente comprei os dois. Como são contos, achei que não seria muito penoso lê-los na língua original e poderia melhorar meu vocabulário.
Sommerhaus é escrito de uma forma simples, fluida (quatro anos pagando o curso parece ter adiantado algo, mesmo assim, usei bastante o dicionário). O livro é constituído de nove contos. As histórias são variadas, mas o que não varia é a impressão de que os personagens estão dentro de um aquário olhando as coisas se moverem ao redor. As frases que se repetem sempre são "ele/ela acendeu um cigarro" e "observava as partículas de poeira no ar". Eu concordo com as pessoas que comentaram que as histórias são bonitas, mas que nada acontece nelas. Falta algo, os personagens sofrem de uma paralisia de sentimentos e de vontade. Não há tensão, alguém escreveu que a autora escreve contos "blasé", acho que é isso mesmo. Fiquei um pouco decepcionada, mas fiquei feliz por conseguir ler algo na língua.
Próxima parada, Nichts als Gespenster .


segunda-feira, janeiro 07, 2008

The discovery of France - Graham Robb

"Agora você não pode me dizer que eu nunca a levei para a França". Foi dizendo isso que O. me estendeu este livro. Apesar de não ser exatamente a idéia que tinha em mente quando lhe dizia que gostaria de "conhecer a França", acho que aprendi coisas muito interessantes lendo as suas páginas. Por exemplo, é possível ver como a idéia de um país unido e homogêneo é bem recente, até meados do século XIX, há lugares inexplorados ou pouco conhecidos e muito do que era chamado de "francês" na época deveria ser chamado de "parisiense" para ser mais correto. Foi por meio de um longo processo educativo (com direito a tabefes e cascudos) que a língua francesa conseguiu prevalecer diante dos diversos dialetos regionais e foi necessário superar a desconfiança dos habitantes de diversos vilarejos para mapear todas as regiões. O livro começa narrando o ritmo moroso das viagens longas por estradas precárias e a penúria dos rincões isolados e termina com uma França mais parecida com aquela que conhecemos, mas a nostalgia em relação a tudo o que se perdeu com a modernização e o progresso é inevitável.
Graham Robb conta vários fatos pitorescos, ele descreve o modo como cães treinados eram usados para contrabandear sal e outros produtos através da fronteiras e menciona como os barqueiros que transportavam barris de vinho da Borgonha até Paris faziam suas próprias "degustações" durante a viagem que durava vários dias. Apenas a título de curiosidade, traduzi um trecho sobre a alimentação no começo do século XIX:

"Para os turistas que se aventuravam além de Paris, o verdadeiro sabor da França era o de pão amanhecido. O grau de envelhecimento refletia a disponibilidade de combustível. Um manual de arquitetura rural publicado em Toulouse em 1820 declarava que o forno público deveria ser suficientemente grande para permitir que o pão da semana pudesse ser assado em um único período de vinte e quatro horas. Nos Alpes, pão suficiente era feito de uma só vez para durar um ano e às vezes dois ou três anos. Ele era assado, ao menos uma vez, depois pendurado sobre um fogo fumarento ou seco ao sol. Às vezes, o "pão" era apenas um biscoito de farinha de cevada e feijão. Para torná-lo comestível e melhorar a cor, ele era amaciado em coalhada ou soro de leite. Pessoas ricas usavam vinho branco."

Talvez a França no período não seja apresentada de seu melhor ângulo, mas o livro mostra como o país em particular, e a Europa em geral, creio eu, passou por mudanças profundas na virada do século XIX para o XX.