quarta-feira, dezembro 24, 2008

O jardim adormecido de Riichi Yokomitsu

(Foto de Riichi Yokomitsu na contracapa da coletânea)
Primeira leitura “solo” de um livro em japonês, a maioria dos livros nessa língua que li antes já tinham sido lidos em traduções, então, eu sempre tinha uma idéia geral do enredo. O autor chama-se Riichi Yokomitsu (1898-1947), eu nunca ouvi falar dele por aqui e há bem poucas traduções de suas obras, quase nada, as informações sobre o autor também são sumárias na internet.

O título da história poderia ser traduzido como “Jardim adormecido”, ele é constituído de dois kanjis, o de dormir (寝) e o de jardim/parque (園), os dois juntos não formam uma palavra única (pelo menos não achei nos dicionários que consultei), por isso, traduzi assim.

A história se passa na época da depressão de 30 (pensando na conjuntura econômica atual, não pude deixar de achar a coincidência irônica) e é sobre vários triângulos, quase quadriláteros, amorosos envolvendo várias pessoas de uma classe comercial abastada. Nanae é casada com Niwa, mas ama Ha, um amigo da família. Nanae também é amada por Taka, um jovem estudante que, como bom Don Juan, não deixa de “tirar uma casquinha” roubando beijos de todas as personagens femininas que cruzam seu caminho, entre elas, Aiko, parente de Nanae. Aiko, por sua vez, tem uma queda por Niwa, marido de Nanae.

As paixões e flertes não vão a lugar algum devido às convenções sociais e também porque Ha, que poderia tentar fazer com que Nanae se divorciasse, está em sérios apuros financeiros e perde toda a sua fortuna com a depressão. Outro fator que complica a situção é o fato de Nanae acertar um tiro acidental em Niwa durante uma caçada a javalis promovida pelo clube de tiro de que fazem parte. A culpa faz com que ela renuncie a se aproximar de Ha.

Os personagens são infelizes e suas vidas não parecem ir para lugar algum, eles estão mesmo “anestesiados” em um “Jardim adormecido”.


quarta-feira, novembro 19, 2008

Lendas e fábulas - Selma Lagerlöf

Devagar, bem devagar, li uma tradução alemã do livro de lendas e fábulas da Selma Lagerlöf, uma escritora sueca e a primeira mulher a ganhar o Nobel de literatura em 1909. Suas histórias são povoadas por sonhos, premonições, goblins, espíritos e outros seres sobrenaturais, muita coisa inspirada nas histórias e lendas que ouviu durante sua infância.

Sempre tive uma grande paixão por lendas, contos, fábulas e mitos e era natural que gostasse deste livro, claro que as histórias não são doces e nem sempre têm finais felizes, ao contrário, muitas vezes elas se assemelham mais a pesadelos, como a história do proprietário de terras que perde uma aposta feita com o espírito que mora em sua casa ou a do troll que troca o bebê de uma mulher por seu próprio filho. Outras histórias tratam de injustiças reparadas, o cristianismo contra o paganismo, etc.

domingo, setembro 28, 2008

Madame Bovary - Gustave Flaubert

Finalmente li Madame Bovary de Gustave Flaubert, um livro de uma maturidade psicológica incrível e escrito de uma forma magistal. A história começa apresentando o jovem Charles Bovary em seu primeiro dia de escola, um garoto tímido, não muito inteligente, medíocre até. Ele irá prosseguir seus estudos sem brilho e conseguirá uma posição como médico em uma cidade de província. Ele se casa com uma viúva com algum dinheiro devido à intervenção de sua mãe e depois que esta morre, Charles se casa com a jovem filha de um pequeno proprietário de terras, Emma. Charles adora a jovem esposa e julga-se o mais feliz dos homens, mas pouco tempo após o casamento, Emma sente-se decepcionada com sua escolha, com a simplicidade do marido, com a sua vida sem nada de interessante, sem paixões, sem grandes acontecimentos. Ela sonha com uma vida cheia de aventuras. Sua frustração torna-a vítima de doenças nervosas, de repentes de raiva e irritação contra o marido que não a compreende e que não mede esforços para satisfazer todos os seus caprichos.

Como forma de melhorar o humor da esposa, Charles decide mudar-se para outra pequena cidade. Lá, Emma conhece Leon, um rapaz que trabalha como notário e pelo qual se apaixona. Seu amor é correspondido, mas Leon parte para completar seus estudos antes que algo definitivo ocorra. Pouco tempo depois, quando Emma começa a se aborrecer novamente, ela conhece Rodolfo, um proprietário local que a seduz. Eles ficam juntos por algum tempo, mas Emma sugere que ambos fujam juntos, algo que ele não tem intenção de fazer, e o caso termina. Emma tem uma crise nervosa, depois entra em uma fase religiosa, mas logo volta a ser a mesma mulher insatisfeita com sua vida, é nesse momento que reencontra Leon, já um pouco mais experiente em relação à vida e às mulheres. Ele se torna seu novo amante. O final do livro é trágico, vemos Emma perder-se cada vez mais em uma sucessão de mentiras e dívidas contraídas para satisfazer seus caprichos.

Que história boa! A capa do livro que li traz a foto de Isabelle Huppert, atriz que interpretou o papel de Emma no filme com o mesmo nome do romance de Flaubert (que não vi), mas ela é tão diferente da Emma descrita pelo autor! Emma é morena, com cabelos pretos e olhos de uma cor indefinida , que varia conforme a luz, e também mais jovem do que atriz.

Eis um trecho que descreve o estado de espírito de Emma logo após um de seus encontros com Leon:

“Não importa! Ela não estava feliz, nunca o fora. De onde vinha essa insuficiência da vida, essa corrupção instantânea das coisas nas quais se apoiava?… Mas se existisse um ser forte e belo em algum lugar, uma natureza nobre, plena de exaltação e de refinamentos, um coração de poeta sob uma forma de anjo, lira com cordas de cobre, soando em direção aos céus versos elegíacos, por que ela não o encontraria por acaso? Oh! Que impossibilidade! Nada mais valia uma busca, tudo mentia! Cada sorriso escondia um bocejo de tédio, cada alegria uma maldição, todo prazer um desgosto, e os melhores beijos deixavam nos lábios apenas um desejo irrealizável de uma volúpia maior.”


terça-feira, setembro 09, 2008

What I talk about when I talk about running - Haruki Murakami

Acabei de ler o último livro de Haruki Murakami traduzido para o inglês, What I talk about when I talk about running, a entrevista da Der Spiegel entregou boa parte do conteúdo da obra, ela é praticamente um diário das maratonas que o autor fez pelo mundo depois que começou a correr após os trinta anos, mais ou menos na mesma época em que ele decidiu fechar o bar que tinha em Tóquio para viver da escrita.

Murakami procura mostrar a relação entre a corrida e a vida de escritor e explica como ambas as atividades exigem disciplina, força de vontade e empenho. O livro também revela sua preocupação com a idade e os limites que o passar dos anos impõe ao corpo. Por meio deste livro, os fãs de Murakami podem dar uma espiada em outra faceta do autor, mas tive a impressão de que apesar de tratar-se de uma espécie de diário, Murakami não abre mão de uma certa reserva…


segunda-feira, agosto 04, 2008

Bola de sebo e outros contos - Guy de Maupassant

Bons livros levam a outros livros, isso é inevitável. Após os elogios feitos por Nagai Kafu aos textos de Guy de Maupassant, não podia mais ignorar a existência deste último. Tinha um livro com alguns contos traduzidos e comecei a folheá-lo para conhecer o autor e gostei de tudo o que li. As histórias são muito bem contadas, muito boas mesmo. O autor mostra personagens bem humanos, com mais fraquezas e vícios do que virtudes, ardilosos e ignorantes.

Gostei muito de Bola de sebo, A pensão Tellier, Em família e Miss Harriet. Este último conto é muito bonito e delicado. Um dos últimos textos, Horla, é um conto fantástico muito interessante que talvez destoe um pouco do tema dos contos recolhidos no volume, pois a maioria trata de relacionamentos, mas é interessante observar como Maupassant constrói a história.

Acho essa descrição do Sr. Caravan, do conto Em família, muito bem feita:

“Estava velho agora, e não tinha sentido passar a vida, pois o colégio fora continuado pela repartição, e os bedéis, ante os quais ele tremia outrora, achavam-se hoje substituídos pelos chefes, a quem temia horrivelmente. A vista desses déspotas de gabinete o fazia estremecer dos pés à cabeça; e, desse contínuo terror, ficara-lhe uma maneira desajeitada de se apresentar, uma atitude humilde e uma espécie de gaguice nervosa.”

E este trecho de Monsieur Parent:

“Ele envelheceu entre o fumo dos cachimbos, perdeu os cabelos sob a chama do gás, considerou como acontecimentos o banho de cada semana, o corte de cabelo de cada quinzena, a compra de um traje novo ou de um chapéu. Quando chegava à sua cervejaria com um chapéu novo, contemplava-se longamente ao espelho antes de sentar-se, punha-o e tirava-o várias vezes seguidas, acomodava-o de diferentes modos, e perguntava enfim à sua amiga, a caixa do estabelecimento, que o olhava interessada: ‘Acha que me assenta bem?’

Duas ou três vezes por ano ele ia ao teatro, e, no verão, passava algumas vezes as suas noites num café-concerto dos Campos Elíseos. De lá trazia na cabeça árias que cantavam no fundo de sua memória durante várias semanas e que ele chegava mesmo a cantarolar, batendo o compasso com o pé quando se achava sentado ante seu chope.

Os anos se sucediam, lentos, monótonos, e curtos porque eram vazios.”


quinta-feira, julho 17, 2008

Dubrovski - Alexander Pushkin

Uma leitora boliviana de meu outro blog presenteou-me com vários mimos, entre eles, livros e textos. Aura foi um deles, Dubrovski foi outro. Novamente, outra primeira vez: primeira vez que leio Pushkin.
Dubrovski é um texto curto, inacabado e publicado postumamente. O título é o nome do protagonista de uma triste história. Vladimir Dubrovski é um jovem militar que de repente vê as terras de seu pai serem confiscadas de forma arbitrária por Kirila Petrovitch Troekurov, um grande proprietário que manda e desmanda na região.
Vítima de Troekurov, Dubrovski se transforma em uma espécie de bandido "justo", roubando quem sabe ser desonesto e poupando as pessoas honestas. Seu desejo é vingar-se de Troekurov, mas ele acaba apaixonando-se por Masha, a filha deste último, e seus planos vão por água abaixo.

Fiquei imaginando se a história não terminaria de melhor forma se Pushkin a tivesse terminado. (E como gostaria que ele a tivesse terminado!)

sábado, julho 05, 2008

American Stories - Nagai Kafu

Nagai Kafu é um escritor japonês do começo do século XX e os principais temas de suas obras são a vida e o cotidiano dos bairros de gueixas, das casas de chás, das prostitutas e de seus freqüentadores, figuras do “mundo flutuante” japonês. Eu o conhecia pela tradução inglesa de dois contos longos, During the rains e Flowers in the shade. Um é centrado no dia-a-dia de uma gueixa e o outro é sobre o relacionamento de um casal pobre, a mulher se prostitui e sustenta o marido. Não há muitos acontecimentos nas histórias de Nagai Kafu, mas a forma como ele as narra é muito poética.

Durante sua juventude, o escritor passou alguns anos nos Estados Unidos e American Stories é baseada nessa sua estadia. A maioria das histórias/relatos trata da vida de imigrantes que chegaram ao país com a expectativa de enriquecer e que são discriminados, sentem-se sós e alienados. Outros textos deixam transparecer a admiração do autor pela liberdade de costumes e modernidade dos americanos quando comparados com os japoneses.

Não gostei tanto deste livro quanto de During the rains, mas é interessante para ter uma idéia da configuração da sociedade americana na época e também para vê-la através dos olhos de um estrangeiro, e Nagai Kafu é um bom observador. Ele também gosta de citar poemas e autores franceses, vide um trecho de Fallen Leaves:

“Sonhos, embriaguez, ilusões, isso é nossa vida. Desejamos sempre ter amor e sonhamos com o sucesso, mas realmente não queremos que se realizem. Apenas perseguimos as ilusões que aparecem como se pudessem ser realizadas e desejamos embriagar-nos com essa antecipação e expectativa. Baudelaire diz que estar embriagado, essa é a única questão. Se você deseja evitar sentir o horrível peso do tempo que comprime seus ombros e o curva ao chão, você não deve hesitar em ficar bêbado. Seja com álcool, poesia, moralidade, ou o que quer que seja, isso não importa. Se às vezes você despertar de sua embriaguez nos degraus de um palácio, sobre a grama de um vale, ou em um quarto arruinado, pergunte ao vento, às ondas, às estrelas, aos pássaros, ou aos relógios, qualquer coisa que voe, mova-se, gire, cante, fale, que horas são. O vento, as ondas, as estrelas, os pássaros, os relógios responderão: é tempo de ficar embriagado, não importa se com álcool, poesia, moralidade, ou o que quer que seja; se você não quiser ser um mísero escravo do tempo, deve manter-se sempre embriagado...”


Ou este outro trecho de Two days in Chicago, ao notar como os americanos estão sempre com um jornal nas mãos:


“... que povo amante de jornais! Eles dirão que o povo de uma nação avançada deve procurar saber tanto quanto possa sobre o que acontece no mundo, e o mais rápido possível... Ah, mas eles não percebem que não há nada extraordinário ou estranho nos assuntos do mundo, a mesma confusão sendo repetida continuamente? Na diplomacia, o conflito de interesses entre A e B; nas guerras, o forte vence; os bancos quebram, há fraudes durante as eleições, descarrilamentos de trem, roubos, assassinatos, tais acontecimentos diários da existência são sempre os mesmos e monótonos ao extremo.

O escritor francês Maupassant já não teve que agüentar a intolerável dor desta terrivelmente tediosa vida e escreveu em seu diário: Abençoados aqueles que ignoram que as mesmas abomináveis coisas são incessantemente repetidas. Abençoados aqueles que andam hoje e amanhã nas mesmas carruagens, conduzidas pelos mesmos animais e têm a energia, sob o mesmo céu, diante do mesmo horizonte, de fazer o mesmo trabalho da mesma forma, rodeados pelos mesmos móveis. Abençoados aqueles que não se dão conta, com grande ódio, de que nada mudará ou acontecerá neste esgotado e cansado mundo..."