sábado, março 31, 2007

Ther Curtain - Milan Kundera

Milan Kundera é o autor de vários romances em Tcheco e em francês, entre eles, "A insustentável leveza do ser", que foi filmado. The Curtain é um livro de ensaios sobre a literatura do ponto de vista do autor. Neles, Kundera fala da relação de suas experiências como um emigrado tcheco em outro país, no caso, a França, e a sua obra, bem como da relação da obra de vários de seus autores favoritos (Rabelais, Cervantes, Fielding, Flaubert, Tolstoy, Hermann Broch, Franz Kafka, entre outros) com a sociedade em que vivem. A forma como cada um deles conta uma história, como ela se torna bem sucedida e completa em si mesma, sobre o que cada uma delas nos traz, também são tópicos abordados.

Apesar dele não negar suas origens e trazer a Tchecoslováquia em seu sangue e em sua memória, ele parece detestar quando as pessoas o definem como "o exilado tcheco", de fato, é uma generalização e, como qualquer generalização, ela é empobrecedora. Questões pessoais do autor à parte, os ensaios são bem variados, alguns são brilhantes, outros, nem tanto.

Adoro ler o que os escritores têm a dizer sobre a literatura e sobre os autores de que gostam, acho que é algo muito mais enriquecedor do que ler obras de teoria literária que, como Kundera diz, costumam propagar banalidades.

domingo, março 25, 2007

The elephant vanishes - Haruki Murakami

Esta é uma coletânea de contos do Murakami. São dezessete contos dele reunidos em um livro. O primeiro é praticamente o primeiro capítulo de Wind-up bird. Em seu último livro de contos "Blind Willow, Sleeping woman", o autor mesmo escreve que muitas vezes um conto acaba se transformando em um livro, outro conto, "Barn Burning" tem algo de "Minha querida Sputnik"... A impressão que você tem ao ler os contos, é a de que eles poderiam servir de prólogo para um novo romance. São bons, mas acho que os personagens do Murakami se revelam melhor em histórias mais longas, é como se eles precisassem de espaço para se exporem e nos conquistarem de vez. Claro que há muitas pessoas que discordam da minha opinião, como é possível ler nas críticas feitas à sua última coletânea na Amazon.
Já tinha lido "Lederhosen", a história da mulher que descobre que não gosta do marido e pede divórcio quando viaja até a Alemanha e decide comprar uma daquelas calças/shorts de couro típicos do país, em uma New Yorker antiga. Alguns de seus contos foram publicados pela revista em diferentes momentos.
Os contos de que mais gostei foram "The little green monster" e "A slow boat to China", este último conto é um primor! O narrador fala sobre os chineses que cruzaram seu caminho em diferentes momentos de sua vida com nostalgia: um professor que entrega provas em um exame quando ele era criança, uma garota com quem trabalha nas férias no primeiro ano da universidade e um garoto que reencontra já mais velho vendendo enciclopédias. Muito tocante, talvez porque as pessoas que conhecemos algum dia, mesmo aquelas para as quais não demos muita importância, servem de pontos de referências para a história de nossas vidas.

quarta-feira, março 14, 2007

A wild sheep chase (Caçando Carneiros) - Haruki Murakami

Mais um Murakami se vai.
Há sempre um sentimento de melancolia quando um bom livro chega ao seu fim, especialmente porque eu li sua continuação, Dance, Dance, Dance, antes de A wild sheep chase, ou Caçando Carneiros, como foi traduzido no Brasil.
O mesmo personagem de Dance, quatro anos mais novo, narra sua busca por um carneiro muito especial que escolhe algumas pessoas para serem seus hospedeiros e realizarem seus planos. Sua busca o leva até Hokkaido, no norte do Japão, é lá que ele se hospeda no Dolphin Hotel e conhece o Sheep Professor. É em Hokkaido, também, que ele encontra o Sheep Man...
Apesar da história inusitada, Murakami fala da solidão, da perda e do sentimento de falta de sentido da vida com muita delicadeza. Depois deste livro, restam duas coletâneas de contos para eu ler. Espero que haja mais alguma coisa sendo traduzida para alguma língua inteligível, assim não me sentirei orfã de Murakamis....

quinta-feira, março 08, 2007

Um trabalho invejável

Ok, "roubei" um artigo traduzido da Der Spiegel que estava na primeira página da Uol, mas foi por uma boa causa, eu o achei tão bonito e tocante! Acho que estamos perdendo uma certa dimensão poética da vida e a história deste senhor que escreve cartas em Saigon me fez lembrar de que ainda há coisas simples e belas...


08/03/2007

Fiona Ehlers

A principal agência de correios de Ho Chi Minh fica perto do Rio Saigon, na parte mais tranqüila da cidade, onde os arranha-céus ainda não furam as nuvens e nenhuma motocicleta cruza as ruas zoando como um enxame de abelhas. Fica na frente da catedral de Notre Dame, em um prédio colonial antigo de 1886. Parece com os mercados antigos de Paris, pintado em cor de pêssego, com ventiladores zumbindo entre colunas ornamentais e a luz solar entrando por uma clarabóia no telhado. É um lugar eterno - a mais bela agência de correio em toda a Ásia.

Duong Van Ngo, um homem forte de 77 anos, estaciona sua bicicleta à sombra dos plátanos, cujos troncos são pintados de branco como se usassem polainas. Ele saúda os vendedores de postais e atravessa os arcos com o relógio da estação. São oito horas, o início de seu dia de trabalho em uma manhã quente e úmida de fevereiro.

Ngo se senta na ponta de uma longa mesa de madeira, abaixo de um mural de Ho Chi Minh. Ele tira de sua mala dois dicionários e uma lista de códigos postais franceses. Depois, coloca uma fita vermelha em sua manga esquerda para ficar facilmente reconhecível e expõe o cartaz: "Informações e Assistência de Redação".

A primeira pessoa a procurar seu balcão é um homem do delta do Mekong. Ele traz uma carta endereçada a um empresário na Europa. Há um ano que ele trabalha como motorista para esse empresário, levando-o para refeições de negócios e reuniões. Ele pede por escrito se o europeu poderia conseguir um seguro saúde para ele e dar-lhe um adiantamento de US$ 200 (em torno de R$ 400). Ngo traduz a carta para o inglês. "Prezado senhor", escreve com sua caneta tinteiro, "poderia educadamente pedir, sinceramente". Ou seria melhor dizer "afetuosamente"? Não, isso é intimo demais. O homem lhe dá uma nota. Ngo coloca-a dentro do dicionário sem nem olhar.

Ngo é um mediador entre mundos - um escritor de cartas profissional do tipo que costumava existir antigamente. Ele escolhe cada palavra meticulosamente, formula as frases cautelosamente, burila o estilo da carta. Ele sabe como são importantes as palavras, e o mal que podem fazer. Ngo não apenas traduz, ele faz uma ponte entre as pessoas, aconselha-as e conforta-as, discretamente e com perfeita atenção à forma.

Ngo trabalha no correio desde os 17 anos. Ele diz que nunca perdeu um dia de trabalho, nem durante as guerras. Ele fala as línguas dos ex-ocupantes fluentemente até hoje; aprendeu francês na escola e inglês com os soldados americanos.

A segunda pessoa a procurá-lo é uma jovem de batom vermelho, luvas e um pequeno chapéu para protegê-la do sol. Ela dá a Ngo seu telefone celular Nokia e mostra algumas mensagens de texto. Estão escritas em francês e parecem românticas. Ngo traduz espontaneamente: "Quando vier visitá-la, você me mostrará o Vietnã e me ensinará sua língua, mal posso esperar". A mulher sorri envergonhada. Ela conheceu o francês por um site da Web. Amanhã vai voltar e compor sua resposta, com a ajuda de Ngo.

As funcionárias do correio chamam-no de o homem que escreve cartas de amor. Ele já provocou tantos casamentos, dizem, e é um poeta. Bem, diz Ngo, "talvez dois ou três casamentos. O amor em geral se esvai entre os continentes, com as duas línguas, duas culturas - você sabe. Não é fácil."

Ngo ouviu milhares dessas histórias. Algumas bonitas, outras trágicas. Ele procurou crianças de soldados americanos e parentes de cidadãos vietnamitas que escaparam de barco após a guerra. Ele testemunhou muito sofrimento. Ele não dá detalhes. Seus clientes pagam-no por seu silêncio.

Algumas vezes, ele mesmo recebe cartas. Os agradecimentos vêm de todo o mundo e são endereçados ao "Escritor de Cartas, Correio Central, Saigon". Ngo nunca recebe mensagens eletrônicas. Detesta computadores e telefones celulares. "As palavras que vêm de uma máquina não tem alma", diz ele, acrescentando que as pessoas que usam tais máquinas perderam toda educação e noção de estilo.

Durante o intervalo para o almoço, Ngo vai até a rua onde os vietnamitas que moram no exterior se sentam em cafés, usando grandes óculos escuros. Eles vieram para as celebrações do Ano Novo. Enquanto saboreiam seus cafés mocha, sistemas de sprinkler jogam vapor de água refrescante em seus rostos. Ngo pede sopa de macarrão em uma banca.

Turistas japoneses chegam durante a tarde e o fotografam como se fosse um fóssil em um museu. As funcionárias do correio grampeiam páginas de fax e conversam. No meio disso tudo, novos clientes esperam na mesa de Ngo. Eles lhe dão seus livros de endereços, assim como caixas para seus parentes no exterior. "Vitogo", diz uma mulher que trabalha no mercado e usa um chapéu de palha de arroz. "A rua é chamada Victor Hugo", diz ele virando os olhos brevemente, "como o famoso escritor." Ele escreve o endereço no documento de envio.

Ho Chi Minh, lá no mural, teria gostado do que ele faz -"conectar pessoas" por meio de sua caneta tinteiro? Ngo sorri. Política, diz ele, está fora de sua província. Ele conta que costumava ser observado pela polícia, porque era suspeito de trair segredos para os inimigos do Estado. Ainda bem, isso acabou, diz ele. Hoje, o Vietnã é global, e o mundo tornou-se um lugar complexo e imprevisível, diz ele. Isso também significa que há maior demanda hoje por seu trabalho do que antes.

Ngo é atualmente o último escritor da cidade antes conhecida como Saigon. O penúltimo, seu colega Lieng, morreu há 10 meses e não foi substituído. Ngo acha que o mundo poderia fazer mais uso de pessoas como Lieng e ele.

Infelizmente, diz ele, "ele simplesmente não quer nos pagar mais".

Tradução: Deborah Weinberg

terça-feira, março 06, 2007

Os anos de aprendizado e as viagens de Wilhelm Meister - Goethe

Eu concordo que Goethe é um dos grandes marcos da literatura mundial e que todos deveriam ler ao menos uma de suas obras, ele é um autor profundo, com grande erudição e a par das idéias mais importantes do século XVIII, mas, talvez por isso mesmo, ele se torne um tanto quanto cansativo para nós, leitores mais preguiçosos e acostumados com leituras mais leves. Não é por falta de persistência, li As Afinidades Eletivas e Os Sofrimentos do Jovem Werther em diferentes períodos de minha vida, fui até o final do Wilhelm Meister, com suas centenas de páginas, mas não acho Goethe um autor muito atraente para os tempos atuais. Quando tinha 14 anos, talvez pudesse ter aproveitado mais, apesar de não compreender todas as discussões sobre arte, moral, educação, etc., tecidas ao longo da história, mas teria gostado do enredo: um jovem que pretende seguir seu próprio caminho e perseguir seus sonhos. Este é Wilhelm, ele deixa sua família e sua vida burguesa para procurar realizar seus sonhos, entra para um grupo de teatro e se torna ator, mas logo percebe que seus sonhos não são tão cor-de-rosa e que aquilo ao qual dava tanto valor, não é assim tão sublime. Ele se desilude, sofre, encontra pessoas que lhe apontam novas possibilidades e ideais de vida. Estes são os anos de aprendizado de Wilhelm. O segundo livro, Os anos de viagem, é bem desigual, mostra Wilhelm procurando educar o filho que lhe deixou uma mulher pela qual ele se apaixonou na juventude e também procurando educar-se e tornar-se um membro útil da sociedade. Ao contrário do primeiro livro, que é uma narrativa contínua, agora, estamos frente a várias cartas e histórias narradas ou apresentadas a Wilhelm nos lugares pelos quais ele passa. Acho o primeiro livro melhor.
Recomendo para todos aqueles que têm interesse no século XVIII. Ele não é leve, não é fácil, mas sempre há algo a aprender, além do mais, quem sou eu para dizer que Goethe é chato? Talvez nós é que tenhamos ficado superficiais.