sábado, janeiro 19, 2008

The woman in the dunes - Kobo Abe

Ando lendo com a voracidade da época do colégio, fazia algum tempo que isso não acontecia. Enquanto pesquisava para meu mestrado e doutorado, não tinha tempo para ler as coisas de que gostava, praticamente não lia muita literatura, mas livros longuíssimos sobre um ou outro aspecto do século XVIII e alguns tratados de pensadores obscuros (em vários sentidos), às vezes era tão chato que sentia vontade de fechar os olhos e de não dirigi-los para nada impresso sobre uma folha de papel pelo resto da minha vida. Uma época de que não sinto saudades.
Este foi o primeiro livro do Kobo Abe que li, o livro sempre esteve na estante, mas fui lê-lo depois de assistir a um filme baseado na obra, ele foi filmado em 64 e ganhou um prêmio do júri no festival de Cannes (o ator principal é o mesmo de Hiroshima mon amour, outro grande filme). A versão filmada é muito boa e bastante fiel ao livro que conta a história de um professor e entomologista amador, Junpei Niki, que viaja até uma praia cheia de dunas para coletar insetos. Ele perde o último ônibus e os habitantes do vilarejo local oferecem-lhe alojamento na casa de uma mulher que mora sozinha, a casa praticamente fica em um buraco circundado pela areia e é preciso descer por meio de uma escada de cordas. Muitas casas estão na mesma situação e para evitar que elas sejam engolidas pelas dunas, seus habitantes devem trabalhar todas as noites recolhendo areia com pás. Contra a sua vontade, Junpei vê-se preso dentro do buraco e deve trabalhar para receber água, ou seja, para manter-se vivo. Seu relacionamento com a mulher, nunca nomeada, que o trata muito bem, mas que ele considera muito simples e condicionada a aceitar aquele tipo de existência, desenvolve-se de forma imprevista.
A areia serve de ensejo para várias reflexões sobre a vida e a existência humana.

"Eles mencionaram uma família de classe média agrícola que havia acrescentado terras à sua propriedade, comprado máquinas e estavam indo muito bem quando o filho mais velho de repente abandonou o lar. Ele era um jovem quieto, trabalhador e seus pais ficaram totalmente surpresos. Eles não sabiam o motivo. Nos vilarejos do campo você tem obrigações sociais e reputação a zelar, portanto, realmente deveria haver uma razão para o herdeiro da família abandonar o lar...
- Sim, certamente. Uma obrigação é uma obrigação.
- Parece que um dos pais se deu ao trabalho de encontrar o jovem e ouvir sua história. Ele não estava vivendo com uma mulher e não parecia coagido por débitos ou prazeres, não havia nenhum motivo concreto. Então qual era a razão? E o que o jovem disse não fazia qualquer sentido. Ele parecia incapaz de explicar seu ato muito bem para si mesmo, dizia apenas que ele não podia mais suportar aquilo.
- Realmente há gente estúpida no mundo, não é verdade?
- Mas quando você reflete sobre isso, você entende seus sentimentos. Quando os agricultores aumentam sua área de cultivo, eles têm muito mais trabalho a fazer. No final, não há fim para as suas atividades e eles acabam com muito mais coisas para fazer. Entretanto, o agricultor ao menos tem um retorno em batatas e arroz. Comparado com o trabalho de um agricultor, remover areia é como tentar empilhar pedras no Rio do Hades, onde os demônios carregam-nas tão rápido quanto você as joga lá dentro.
- Bem, o que acontece com o Rio do Hades no final?
- Nada. É uma punição infernal precisamente porque nada acontece.
- E o que acontece com o filho no final?
- Ele tinha planejado tudo e provalmente até mesmo arranjado um emprego antes de agir.
- E o que ele fez?
- Ele foi lá e começou a trabalhar.
- E depois?
- Depois disso, ele provavelmente recebia seu dinheiro no dia de pagamento e aos domingos eu acredito que ele vestia uma camisa limpa e ia ao cinema."


3 comentários:

Alexandre Kovacs disse...

Parabéns, gosto muito dos temas criativos e elegantes que você aborda no seu BLOG e da forma que resenha os livros.

miki w. disse...

karen, q visão terrível essa de não querer ver um papel escrito na frente por conta das coisas chatas q se é obrigado a ler para um mestrado ou doutorado! imagino q vc deva ter se sentido muito oprimida. ainda mais para alguém que aprecia ler como vc!

ainda bem q a vontade não morreu, só estava adormecida, não é mesmo?

ler é tão bom!

beijinhos e bom domingo!
miki

Karen disse...

Obrigada, Kovacs!

Miki, o sentimento de liberdade, neste sentido, é ótimo! É muito bom ler sem qualquer obrigação!

Bom domingo para você também! Beijos!