domingo, fevereiro 24, 2008

Entrevista de Haruki Murakami na Der Spiegel

Estava folheando a Der Spiegel da semana passada quando encontrei uma entrevista com o escritor Haruki Murakami, é a primeira entrevista dele que leio. A revista o entrevistou porque a tradução para o alemão de seu último livro, “Sobre o que falo, quando falo sobre correr”, será lançada amanhã na Alemanha.
Quando passei na Amazon japonesa no ano passado, li alguns comentários (fazendo uso de meu japonês imperfeito) sobre o livro e a maioria das pessoas estava surpresa em ler algo mais pessoal desse autor bastante arredio quando se trata de sua intimidade.
Na entrevista, Murakami fala sobre o papel que correr possui em sua vida de escritor. Sua ênfase na importância do físico para a criação artística lembrou-me de que Coetzee, o Nobel sul-africano, também é adepto do “corpo são, mente sã” e gosta de pedalar por vários quilômetros.
A tradução americana do livro será lançada em 29 de julho.

Traduzi alguns trechos da entrevista fazendo uso do meu alemão que não é exatamente a quinta-essência da língua de Goethe.

Der Spiegel (18.02. 08)

O escritor e esportista amador japonês Haruki Murakami, 59, fala sobre a solidão da corrida de longa distância, a tortura dos treinos diários e o reconhecimento de que sua carreira de escritor começou depois que ele correu pela primeira vez.

Spiegel: Sr. Murakami, o que é mais fatigante: escrever um romance ou correr uma maratona?
Murakami: Escrever é prazeroso, ao menos quase sempre. Eu escrevo por quatro horas todos os dias. Depois eu corro. De regra, 10 km. É bom fazer isso. Mas percorrer 42,195 km é duro, no entanto é uma dificuldade, uma agonia inevitável, a qual eu me entrego conscientemente. Para mim, este é o aspecto mais importante de correr uma maratona.
Spiegel: O que é mais belo: terminar um livro ou chegar ao fim de uma maratona?
Murakami: Colocar um ponto final em uma história é como o nascimento de um filho. Um autor mais feliz talvez possa escrever doze romances, eu não sei quantos livros ainda tenho em mim. Quatro? Cinco? Correndo eu não sinto qualquer limite. Publico um romance a cada quatro anos, mas todos os anos eu faço uma corrida de 10 km, uma meia maratona e uma maratona. Até agora completei 27 maratonas, a última em janeiro, e as de número 28, 29 e 30 naturalmente irão se seguir.

Spiegel: Você cresceu como filho único. Escrever é um trabalho solitário e você corre sempre sozinho. Há uma relação?
Murakami: Com certeza. Gosto de ficar sozinho. Ao contrário de minha esposa, não gosto de sociedade. Estou casado há 37 anos e é sempre uma batalha. No meu emprego anterior frequentemente eu trabalhava até o amanhecer, agora eu vou para a cama entre nove e dez horas.
Spiegel: Antes de tornar-se um autor, você tinha um bar de jazz em Tóquio. Como foi essa mudança radical?
Murakami: Eu ficava no bar, era meu trabalho manter conversas. Fiz isso por sete anos, mas não sou um homem de muitas palavras. Eu jurei que quando terminasse, conversaria apenas com as pessoas com as quais realmente tinha vontade.

Spiegel: Você é um escritor melhor porque corre?
Murakami: Certamente. Quanto mais meus músculos se fortalecem, mais lúcido torna-se meu espírito. Estou convencido de que os artistas que levam uma vida pouco saudável exaurem-se mais rápido. Jimi Hendrix, Jim Morrison, Janis Joplin foram heróis de minha juventude – eles morreram jovens, embora não o merecessem. Apenas gênios precoces como Mozart ou Puschkin merecem mortes precoces. Jimi Hendrix era bom, mas não muito inteligente, pois usava drogas. Trabalhos artísticos não são saudáveis, para compensar, os artistas devem viver de forma saudável.
Spiegel: Você pode esclarecer isso?
Murakami: Quando um escritor desenvolve uma história, ele confronta um veneno em seu interior. Quando você não possui esse veneno, sua história não tem inspiração. É como o Fugu, o baiacu é muito saboroso, maravilhoso, mas as ovas, o fígado e os intestinos podem ser letais. Minhas histórias encontram-se em um lugar escuro, perigoso, da minha consciência. Sinto o veneno em meu espírito, mas posso tolerar uma dose alta, porque tenho um corpo forte. Quando você é jovem, possui mais força para vencer o veneno sem treino. Aos 40 anos, a força diminui, você não supera o veneno se não vive de forma saudável.
Spiegel: J. D. Salinger tinha 32 anos quando seu único romance apareceu, “O apanhador no campo de centeio”. Ele estava muito fraco para seu veneno?
Murakami: Eu traduzi o livro para o japonês. É muito bom, mas incompleto. A história torna-se cada vez mais sombria, e o protagonista não encontra o caminho de volta do mundo sombrio. Acho que o próprio Salinger nunca o encontrou. Se ele teria se salvado pelo esporte? Não sei.

Spiegel: Você se depara com idéias para suas histórias enquanto corre?
Murakami: Não, não sou o tipo de autor que encontra a fonte de uma história de forma lúdica. Eu preciso cavar bem fundo para atingir o lugar sombrio em minha alma, onde as histórias estão escondidas. Também para isso preciso estar fisicamente forte. Desde que comecei a correr, posso me concentrar por mais tempo, o que também é necessário para percorrer o caminho das trevas. No trajeto, você encontra tudo: as imagens, os personagens, as metáforas. Se você estiver fisicamente fraco, faltará a força para agarrá-los e transportá-los para a superfície de sua consciência. Assim é, também, na corrida. Você precisa cruzar a reta final, custe o que custar.

(Zut! Depois de traduzir esses trechos eu descobri a entrevista inteira traduzida para o inglês na Spiegel International! O bom foi ver que a minha versão está bem próxima.).

9 comentários:

miki w. disse...

karen, que delícia de entrevista, seu alemão está ótimo, heim?

adorei, sorvi cada pedacinho gulosamente, ansiando para ver o final (e ao mesmo tempo não querendo que acabasse, já viu isso antes ;-)???

qd o gumpa corria ele sempre dizia que "correr é um esporte que exige cérebro, não é como futebol por exemplo". parece q o murakami concordaria com ele! ele diz isso pq acha q exige q vc se concentre e raciocine, senão não chega a lugar algum.

adorei saber um pouco do processo criativo do murakami! tão diferente dos processos q já pesquisei ou experimentei! esse é um assunto q me encanta e fascina.

incrível ele ser essa pessoa tão intimista e ter sido dono de um bar onde seu principal trabalho era conversar com os clientes, não? devia ser uma tortura para ele. mas, tenho certeza de q deu muitas pistas para personagens, embora ele diga q não, custo um pouco a acreditar, hihihihi.

nossa! escrevi um post inteiro no comentário!!! q horror!

beijinhos e ótima semana, karen!

miki

Karen disse...

Oi, Miki!

Legal essa entrevista,não é mesmo? Leia em inglês que é mais completa! ;)

Adorei saber um pouco mais sobre ele e agora vou esperar pelo próximo livro! (De preferência em inglês!)

Em um pedaço que eu não traduzi, ele diz que ele não pensa em nada enquanto corre, parece ser uma questão de vontade, atingir os limites mesmo. Interessante, não é?

Beijos e boa semana para vocês também!

miki w. disse...

muito! e uma espécie de meditação zen tb! acho tão difícil não pensar em nada... na verdade, acho q nunca consegui esse estágio, rs!
bjs

Karen disse...

Miki, acho que a gente precisa botar um tênis e sair correndo por aí!

Que tal? ;)

miki w. disse...

hihihihi, xiiiii, o gumpa bem q tentou... eu até comecei, mas meu calcanhar começou a doer, o dotô disse q eu tinha q fazer fisioterapia e eu (a rainha da preguica) preferi passear cachorro hihihihi.

vc se anima a correr?

Karen disse...

Olha, eu prefiro só andar... rs

miki w. disse...

hahahaha, ôba, então podemos fazer par! lembrei as coisas q eu pensava qd corria: "tá doendo aqui" "eu tô cansada" "por que fico trotando, se andando depressa, posso ir mais rápido?" "não consigo mais" hihihihihi

Karen disse...

:))

Luppi disse...

obrigado por traduzir essa entrevista

voce podia traduzir os livros em ingles do murakami para o portugues :D

neh neh neh?! >.<

voce iria ganhar milhoes (6)
e eu iria le los :D