terça-feira, agosto 21, 2007

Um trecho de "Proust contra Saint-Beuve"

"Cada dia dou menos valor à inteligência. Cada dia eu me rendo mais conta de que é apenas em seu exterior que o escritor pode reencontrar algo de nossas impressões, quer dizer, atingir algo de si mesmo e a única matéria da arte. Aquilo que a inteligência nos fornece sob o nome de passado, não é o passado. Na realidade, como acontece com a alma dos mortos em certas lendas populares, cada hora de nossa vida, assim que morre, encarna-se e esconde-se em algum objeto material. Ela permanece aprisionada ali dentro, aprisionada para sempre, a menos que reencontremos tal objeto. Por meio dele, nós a reconhecemos, nós a chamamos e ela é libertada. O objeto no qual ela se esconde - ou a sensação, pois todo objeto em relação a nós é sensação - , pode jamais ser encontrado por nós. E assim, há horas de nossa vida que nunca mais ressuscitarão. Pois esse objeto é tão pequeno, tão perdido no mundo, que há poucas chances de que se encontre em nosso caminho!"

(Esse trecho explica bem o episódio da madeleine de Proust, não?)


6 comentários:

Akemi disse...

Explica mesmo, Karen! E tantas outras coisas as quais nos apegamos e outras tantas que realmente perdemos para sempre!

miki w. disse...

karen, que lindo esse pensamento! eu também acredito que há momentos que ficam cristalizados no passado. a imagem que eu gosto de fazer são as pessoas naquele momento congeladas em blocos de gelo. e pensar que tudo poderia ser diferente se tivéssemos tomado um caminho diferente naquele momento. e que poderia ser possível voltar ali e descongelar aquelas pessoas para que elas pudessem viver outras vidas. "aquelas" porque elas já não são "nós", que fomos modificados por outros acontecimentos da vida.
bj, miki

Karen disse...

Akemi, pois é!

Miki, eu também penso nessas coisas... rs É a vida!

Maria Helena disse...

Lindo trecho, obrigada, foi um presente!

Anônimo disse...

Karen,
A mim, o trecho relembra os múltitplos interesses de Proust, quanto aos assuntos metafísicos. Desde 'No caminho de Swann' ele menciona, aqui e ali, idéias místicas, de fundo religioso ou de crença popular.Essa idéia do "aprisionamento de nossas horas nos objetos" é encontrada em certas crenças que dizem que tudo que nos cerca recebe nossas vibrações (e pode até reagir a elas). A frase mais interessante do texto, na minha opinião, é a que define a arte: "Atingir algo de si mesmo é a única matéria da arte"
Um abraço,
Isabella

Anônimo disse...

Eu (novamente)
Freqüentemente penso como a Miki. Isso, aliás, é uma coisa muito interessante; refiro-me à infinidade de possibilidades da vida. A nossa vida é apenas a que escolhemos entre infinitas. Nem sempre fazemos a melhor escolha. Escolhemos aquilo que estamos prontos para escolher (coisa que depende de nossa maturidade ou imaturidade, sabedoria ou falta de, etc.).
Isabella